domingo, 19 de agosto de 2012

O ATUM BRASILEIRO VIRA SUSHI JAPONÊS

Primeiro, surge uma boia; depois, uma linha diferente e anzóis de estranhos feitios. "Câmbio, Kinei Maru 108, aqui Gera 8. O nosso material emaranhou com o de vocês", avisa pelo rádio o capixaba Celso Rocha de Oliveira, 53 anos, 18 deles dedicados à pesca ao atum. O Kinei Maru 108, de bandeira japonesa, não demora a aparecer diante do pequeno Gera 8.

Com 8.500 km de costa, o Brasil controla uma faixa oceânica de 3,5 milhões de km2 conhecida no direito internacional como Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que corresponde às famosas 200 milhas náuticas (370 km). É bem ali, numa tripa de oceano de 15 km por 200 km (3.000 km2, ou 0,09% do total da ZEE), que se trava a "guerra do sushi" entre brasileiros e japoneses. Todos atrás do atum. 

Os modernos navios japoneses medem até 60 m da popa à proa, têm autonomia para operar por 90 dias sem aportar e armazenam em seus porões frigoríficos até 200 toneladas de pescado, a -60 ºC. Já os atuneiros brasileiros têm 15, 20 anos, foram adaptados de outras modalidades de pesca e chegam, no máximo, a 24 m de comprimento. Sem frigoríficos, exigem constante vaivém entre a zona pesqueira e o porto, para se abastecer de gelo e descarregar o produto.



Pescadores, indústria de pescados, sindicato de armadores e entidades ambientalistas não se conformam com a concorrência nipônica. Principalmente porque ela acontece sob o beneplácito do ministro da Pesca, Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo da Igreja Universal do Reino de Deus que chegou ao comando da pasta em março. É como se os japoneses pescassem com jamantas, e os brasileiros, com carrinhos de feira. "As embarcações deles devastam nossos cardumes com um volume de pesca superior à capacidade de reposição", acusa Torquato Ribeiro Pontes Neto, da indústria de pescados que leva seu nome, sediada em Rio Grande (RS). "Prejudicam toda a cadeia produtiva ligada à pesca, já que o peixe sai de seus porões para embarcar diretamente em um cargueiro japonês."


O ritual ganha escala industrial no navio japonês, uma verdadeira indústria flutuante que pesca, limpa, processa, congela, armazena e exporta. Em vez de lançar 800, são 4.000 os anzóis em seu espinhel. Enquanto os anzóis brasileiros não passam de 100 m de profundidade, os japoneses se infiltram no meio do cardume, entre 200 e 400 m abaixo da linha do mar. De maio até o fim deste mês, três navios japoneses terão frequentado o pesqueiro de Rio Grande: o Kinsai Maru 38, o Kinei Maru 108 e o Shoei Maru 7. No começo de agosto, o Kinsai Maru 38 atracou no porto de Natal. Com os porões lotados, levava 170 toneladas de rico pescado, boa parte já embarcada para o Japão em navio. As cinco toneladas de peixes do Gera 8 foram para o mercado de peixes do Ceagesp, em São Paulo.


No dia 15 de julho, o rádio do Gera 8 interceptou uma conversa entre o observador de bordo do Kinei Maru e seu colega do Kinsai Maru. Observador do Kinei Maru: "Meu irmão, hoje, aqui, o Gera 8, o ilustre Gera 8, deixou de fazer a pescaria dele para vir engrolhar o material dele com o da gente. E ainda trouxe de cãimbra [sic] uma repórter por cima do barco dele, fazendo uma reportagem. A gente está mais famoso."  Kinsai Maru: "Não se preocupe. Em caso de bronca judicial, é o teu relatório que vai estar na mesa do homem da capa preta."  O observador do Kinei Maru respondeu num português dos mais vivos: "Judicial de cu é rola, meu irmão. O ano que vem eu vou vir aqui com o Rocky 2 [barco de Calzavara] por cima do comando e uma trupe de nordestinos com faca no bucho. Não estou nem aí. A gente está pondo peixe para cima, mais de cem peças por lançamento. Por mim, eu quero que esses caras [os japoneses] pesquem até o peixe voar pela janela. Eu não tô nem aí, brother. O oceano não tem dono não, meu compadre". 


A matéria acima foi extraída da reportagem da Folha de São paulo sob o título "Barco japonês domina pesca de atum em águas do Brasil". Os créditos são dos enviados especiais da Folha Laura Caprioglione e Marlene Bergamo.  É impressionante como existe conluio entre agentes públicos e setores privados, ostensivamente.  É difícil coibir a roubalheira nos escalões inferiores se o topo da pirâmide pratica-a com maior desenvoltura, agora, com a nova denominação de "dinheiro não contabilizado".

Ossami Sakamori, 68, engenheiro civil foi prof. da UFPR
Twitter: @sakamori10

2 comentários:

Daniella Caruso Gandra disse...

Legal, Sakamori, o jornalismo cumprindo o seu papel, muito bom. Abraços e ótima semana.

Ajuricaba disse...

Potaquepareo. Isso é criminoso Saka...